Quem nunca brincou de “tá quente-tá frio”? Se não está ligando o nome à brincadeira, deixe-me explicar: trata-se daquele jogo infantil em que a criança tem seus olhos vendados, e tenta encontrar algo através do tato, enquanto as outras crianças dizem “está quente” ou “está frio” de acordo com a proximidade da coisa que se almeja achar. A graça da brincadeira é dizer que tá quente, quando na verdade tá frio. O problema é que ninguém se segura, e acaba caindo na gargalhada, revelando assim o embuste.
Penso que isso sirva de analogia para a relação entre a igreja e a cultura. Como cristãos, cremos que tivemos nossos olhos desvendados, e fomos arrebatados do império das trevas para o reino da luz. Porém, o mundo ao nosso redor segue mergulhado na escuridão. Devo esclarecer que não me refiro aos cristãos nominais, cegos em sua presunção religiosa, mas àqueles que, de fato, foram encontrados e transformados pelo amor que emana de Deus, e que personalizou-se na figura histórica do Nazareno.
Como cristãos, não podemos fazer vistas grossas ao que acontece à nossa volta. As Escrituras dizem que as nações andariam à nossa luz. Compete-nos, portanto, ajudar àqueles cujas vistas parecem estar ainda vendadas.
É claro que entre os ‘vendados’, há os que estão ‘quentes’ e os que estão ‘frios’ em sua busca. Isso pode ser facilmente percebido através de expressões culturais, seja na música, na poesia, na dramaturgia, nas artes plásticas, e até na ciência. Como também pode ser percebido na práxis adotada por cada um.
Em seu discurso no Areópago de Atenas, Paulo resume a verdade bíblica magistralmente. Ele afirma, sem medo de errar, que o Deus desconhecido a quem eles dedicaram um altar, é o Criador do Mundo e de tudo quanto existia, e que não carece de ser servido por mãos humanas. Também diz que ele mesmo havia estabelecido as nações, ordenando de antemão quais seriam seus limites geográficos e históricos. Segundo o apóstolo dos gentios, “Deus fez isto para que o buscassem, e talvez, tateando, o pudessem achar, ainda que não está longe de cada um de nós” (Atos 17:27).
Após esta contundente declaração, Paulo cita os poetas/filósofos gregos: “Pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos. Como também alguns dos vossos poetas disseram: Somos também sua geração” (Atos 17:28). Seria como se um pregador de nossos dias resolvesse citar um autor secular famoso em um de seus sermões. Quem bom que Paulo não estava se dirigindo a crentes legalistas de nosso tempo, se não, estaria se metendo numa encrenca das boas.
Em outras palavras, era como se o apóstolo dissesse: Está quente! Vocês não estão longe d’Ele. Estão chegando cada vez mais perto. Mas estou aqui para desvendar seus olhos para que finalmente vocês O encontrem.
Se fossem alguns pregadores de hoje, aquele altar teria sido derrubado num verdadeiro show de exorcismo e desrespeito à crença alheia. É difícil falar disso e não lembrar do episódio em que o bispo da igreja universal chutou a imagem de uma santa católica em pleno programa de TV. O que teria feito Paulo numa situação daquela? Teria xingado a imagem? Creio que não. Em vez disso, teria dito: Maria, a mãe do Salvador, por quem vocês têm tamanho respeito e devoção, foi quem disse acerca de seu Filho: Fazei tudo quanto Ele mandar. E por aí, Paulo conquistaria o coração até do mais fervoroso devoto mariano.
Imagine um pregador de hoje ter a ousadia de citar Chico Xavier para anunciar as boas novas aos espíritas? Ou ainda: que tal citar Maomé para introduzir a mensagem de Cristo aos muçulmanos? Ousado, não?
Mas a gente prefere gritar: Tá frio! Vocês estão completamente errados em sua fé! Chico Xavier era apenas um embuste! Maomé era um falso profeta! Buda não passava de um glutão safado!
E o pior é que com esta postura, estamos cada vez mais afastados daqueles que realmente necessitam conhecer a Luz do Mundo. E enquanto atacamos os que julgamos estar frios, nós estamos nos amornando, como a igreja dos laodicenses. Achamo-nos tão perto, e não percebemos o quanto estamos nos distanciando da verdade, na mesma medida em que nos distanciamos do amor. Tão perto, mas tão distante. Bom seria se déssemos ouvidos à advertência de Jesus à igreja de Laodicéia: “Conheço as tuas obras, que nem és frio nem quente. Quem dera fosses frio ou quente! Assim, porque és morno, e não és frio nem qunte, vomitar-te-ei da minha boca. Dizes: Rico sou, e estou enriquecido, e de nada tenho falta. Mas não sabes que és um coitado, e miserável, e pobre, e cego, e nu. Aconselho-te que de mim compres ouro refinado no fogo, para que te enriqueças; e vestes brancas para que te vistas, e não seja manifesta a vergonha da tua nudez; e colírio, para ungires os teus olhos, a fim de que vejas.” (Apocalipse 3:15-18).
Bem que podiam ter dormido sem esta! Não se enganem. A carapuça cabe em nossas cabeças. Achamo-nos tão ricos, que jamais aceitaríamos que a cultura ao nosso redor tivesse qualquer contribuição a dar. Fechamo-nos hermeticamente em nosso mundinho gospel, a ponto de deixarmos de fora o próprio Jesus, que insistentemente bate à porta, conclamando-nos a cear com Ele. Aliás, Jesus toma a realidade social e cultural da cidade Laodicéia como analogia do estado espiritual em que aquela igreja estava. O colírio, por exemplo, era produto daquela região. Eis o exemplo de uma espiritualidade engajada com a realidade, aberta ao diálogo respeitoso, sem contudo, abrir mão da verdade do Evangelho.
Penso que nosso maior problema é com a presunção. Somos os santos, os eleitos, os sabichões, e que, ainda por cima, têm que aturar este monte de gente pecadora. Cabe aqui a reflexão certeira de Tomás de Aquino: “A santidade não consiste em saber muito, meditar muito, pensar muito. O grande mistério da santidade é amar muito." Tenho a impressão de que muitos cristãos contemporâneos estão entre aqueles para quem Paulo declara: “Confias que és guia dos cegos, luz dos que estão trevas, instruidor dos nécios, mestre de crianças, que tens a forma da ciência e da verdade na lei; tu, pois, que ensinas a outro, não te ensinas a ti mesmo?”(Romanos 2:19-21a).
Que tal se mirássemos nossas críticas mais ferrenhas em nossa própria direção, e olhássemos com mais amor e compaixão aqueles que nos rodeiam?
reblogado de Genizah
Penso que isso sirva de analogia para a relação entre a igreja e a cultura. Como cristãos, cremos que tivemos nossos olhos desvendados, e fomos arrebatados do império das trevas para o reino da luz. Porém, o mundo ao nosso redor segue mergulhado na escuridão. Devo esclarecer que não me refiro aos cristãos nominais, cegos em sua presunção religiosa, mas àqueles que, de fato, foram encontrados e transformados pelo amor que emana de Deus, e que personalizou-se na figura histórica do Nazareno.
Como cristãos, não podemos fazer vistas grossas ao que acontece à nossa volta. As Escrituras dizem que as nações andariam à nossa luz. Compete-nos, portanto, ajudar àqueles cujas vistas parecem estar ainda vendadas.
É claro que entre os ‘vendados’, há os que estão ‘quentes’ e os que estão ‘frios’ em sua busca. Isso pode ser facilmente percebido através de expressões culturais, seja na música, na poesia, na dramaturgia, nas artes plásticas, e até na ciência. Como também pode ser percebido na práxis adotada por cada um.
Em seu discurso no Areópago de Atenas, Paulo resume a verdade bíblica magistralmente. Ele afirma, sem medo de errar, que o Deus desconhecido a quem eles dedicaram um altar, é o Criador do Mundo e de tudo quanto existia, e que não carece de ser servido por mãos humanas. Também diz que ele mesmo havia estabelecido as nações, ordenando de antemão quais seriam seus limites geográficos e históricos. Segundo o apóstolo dos gentios, “Deus fez isto para que o buscassem, e talvez, tateando, o pudessem achar, ainda que não está longe de cada um de nós” (Atos 17:27).
Após esta contundente declaração, Paulo cita os poetas/filósofos gregos: “Pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos. Como também alguns dos vossos poetas disseram: Somos também sua geração” (Atos 17:28). Seria como se um pregador de nossos dias resolvesse citar um autor secular famoso em um de seus sermões. Quem bom que Paulo não estava se dirigindo a crentes legalistas de nosso tempo, se não, estaria se metendo numa encrenca das boas.
Em outras palavras, era como se o apóstolo dissesse: Está quente! Vocês não estão longe d’Ele. Estão chegando cada vez mais perto. Mas estou aqui para desvendar seus olhos para que finalmente vocês O encontrem.
Se fossem alguns pregadores de hoje, aquele altar teria sido derrubado num verdadeiro show de exorcismo e desrespeito à crença alheia. É difícil falar disso e não lembrar do episódio em que o bispo da igreja universal chutou a imagem de uma santa católica em pleno programa de TV. O que teria feito Paulo numa situação daquela? Teria xingado a imagem? Creio que não. Em vez disso, teria dito: Maria, a mãe do Salvador, por quem vocês têm tamanho respeito e devoção, foi quem disse acerca de seu Filho: Fazei tudo quanto Ele mandar. E por aí, Paulo conquistaria o coração até do mais fervoroso devoto mariano.
Imagine um pregador de hoje ter a ousadia de citar Chico Xavier para anunciar as boas novas aos espíritas? Ou ainda: que tal citar Maomé para introduzir a mensagem de Cristo aos muçulmanos? Ousado, não?
Mas a gente prefere gritar: Tá frio! Vocês estão completamente errados em sua fé! Chico Xavier era apenas um embuste! Maomé era um falso profeta! Buda não passava de um glutão safado!
E o pior é que com esta postura, estamos cada vez mais afastados daqueles que realmente necessitam conhecer a Luz do Mundo. E enquanto atacamos os que julgamos estar frios, nós estamos nos amornando, como a igreja dos laodicenses. Achamo-nos tão perto, e não percebemos o quanto estamos nos distanciando da verdade, na mesma medida em que nos distanciamos do amor. Tão perto, mas tão distante. Bom seria se déssemos ouvidos à advertência de Jesus à igreja de Laodicéia: “Conheço as tuas obras, que nem és frio nem quente. Quem dera fosses frio ou quente! Assim, porque és morno, e não és frio nem qunte, vomitar-te-ei da minha boca. Dizes: Rico sou, e estou enriquecido, e de nada tenho falta. Mas não sabes que és um coitado, e miserável, e pobre, e cego, e nu. Aconselho-te que de mim compres ouro refinado no fogo, para que te enriqueças; e vestes brancas para que te vistas, e não seja manifesta a vergonha da tua nudez; e colírio, para ungires os teus olhos, a fim de que vejas.” (Apocalipse 3:15-18).
Bem que podiam ter dormido sem esta! Não se enganem. A carapuça cabe em nossas cabeças. Achamo-nos tão ricos, que jamais aceitaríamos que a cultura ao nosso redor tivesse qualquer contribuição a dar. Fechamo-nos hermeticamente em nosso mundinho gospel, a ponto de deixarmos de fora o próprio Jesus, que insistentemente bate à porta, conclamando-nos a cear com Ele. Aliás, Jesus toma a realidade social e cultural da cidade Laodicéia como analogia do estado espiritual em que aquela igreja estava. O colírio, por exemplo, era produto daquela região. Eis o exemplo de uma espiritualidade engajada com a realidade, aberta ao diálogo respeitoso, sem contudo, abrir mão da verdade do Evangelho.
Penso que nosso maior problema é com a presunção. Somos os santos, os eleitos, os sabichões, e que, ainda por cima, têm que aturar este monte de gente pecadora. Cabe aqui a reflexão certeira de Tomás de Aquino: “A santidade não consiste em saber muito, meditar muito, pensar muito. O grande mistério da santidade é amar muito." Tenho a impressão de que muitos cristãos contemporâneos estão entre aqueles para quem Paulo declara: “Confias que és guia dos cegos, luz dos que estão trevas, instruidor dos nécios, mestre de crianças, que tens a forma da ciência e da verdade na lei; tu, pois, que ensinas a outro, não te ensinas a ti mesmo?”(Romanos 2:19-21a).
Que tal se mirássemos nossas críticas mais ferrenhas em nossa própria direção, e olhássemos com mais amor e compaixão aqueles que nos rodeiam?
reblogado de Genizah
Um comentário:
Nossa, fantástico esse texto!!!
Bjs Mari Herman
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