18 agosto, 2010

A Difícil Arte de Jogar Fora




Amo editar.

Na edição é possível cortar todos os erros daquilo que uma pessoa falou.
Ou é possível deixar somente as coisas erradas que ela falou.

Com a edição é possível transformar uma mesma cena original nos mais variados estilos.
Dependendo da sequência de cortes, dependendo da velocidade das imagens, dependendo da trilha sonora é possível transformar um drama em um comédia; um pastelão em documentário; um casamento em terror.

Talvez isso seja o que me fascine.
Gosto de transformar as "sobras" de vídeo em bem elaborados "erros de gravação".
Gosto de pegar um detalhe e transformá-lo no centro das atenções.
Gosto de esconder os erros mais gritantes e ficar com um sorriso maroto nos lábios [ sendo o único a saber como foi feita a correção ].

Mas muitas vezes sinto certa dor em editar.
Acontece quando é preciso sintetizar, por questões de excesso de tempo, a fala de uma pessoa.
Nesse momento sou transformado em censor.
Fico com receio de calar uma voz que precisa ser ouvida.
Fico com receio de abafar talvez o único momento de uma pessoa poder falar ao mundo sobre sua vida, seus sentimentos, seus pensamentos.

Alguém falou que editar é "a arte de jogar fora".
É uma arte difícil.
Ser o juiz daquilo que deve permanecer na edição final não é fácil.
Escolher os melhores momentos e deletar os menos importantes exige uma dose de sangue frio.
Porém é um trabalho que precisa ser feito.
A edição final precisa conter somente os melhores momentos.
Não é possível assistir a tudo.

Passo muito trabalho para editar minha vida.
Tenho dificuldades para jogar fora seus piores momentos.
Esses momentos teimam em voltar e voltar e voltar ao meu campo de visão.
No "documentário da retrospectiva de minha vida" os momentos tristes e desastrosos saltam aos meus olhos.
Esses momentos insistem em serem estrelas da edição final.
Minha luta de cada dia é para afastar os momentos tenebrosos da lembrança.
Retirar o medo do caminho.
Desobstruir da mente situações do passado que me envergonham.

Ainda bem que posso editar.
Vou pegar todos esses momentos tristes e reeditar.
Vou colocar uma trilha sonora cômica nos acidentes e rir assitindo com meus amigos.
Nas cenas de solidão colocarei uma música erudita em imagens bem lentas para parecer contemplativo. Juntarei todas as imagens de amigos do presente e do passado para não esquecer de nenhum deles. Todos as cenas de família seram remontadas mantendo somente os momentos felizes.
De todas essas edições farei um compacto bem ritmado. Rápido. Fulminante. Eletrizante. Como um filme de aventura.

Esse compacto quero assistir no início de todas as manhãs de minha vida.


reblogado de Nataniel Scheffler: Algumas reflexões minhas sobre a vida.

Um comentário:

Mariana Herman disse...

Meu único comentário para esse texto é “queria tê-lo escrito”.

Bjs

Mari Herman