19 agosto, 2010

Atores cegos e surdos viram a sensação do teatro israelense




Encenada com a ajuda de tradutores, a peça 'Não só de pão', do Grupo Nalaga'at, já foi vista por mais de 150 mil pessoas

TEL AVIV - As portas do teatro se abrem e, no palco, 11 pessoas amassam uma mistura de farinha, água e fermento. Enquanto o público vai se acomodando, os atores, vestidos de chefes de cozinha, forjam no trigo o milagre do pão, que, no final da apresentação, recém-saído do forno, irá fartar a plateia. A curiosidade é fermentada por um detalhe: a peça israelense "Não só de pão" é encenada pelo grupo teatral Nalaga'at, o único do mundo formado apenas por atores simultaneamente surdos e cegos.

Engana-se, no entanto, quem espera um espetáculo recheado de autocomiseração ou um show de esquisitices. Em uma hora e meia, tempo que leva para assar o pão, a peça relata sonhos, aspirações e experiências pessoais dos atores surdo-cegos com muito bom humor e joie de vivre. Os tópicos podem ser pesados, como solidão, escuridão e silêncio. E os sonhos podem parecer banais, como ver TV, jogar futebol e ir ao cinema. Mas o espetáculo trata tudo isso com delicadeza e sem melancolia.

Tambores marcam as cenas

Uma equipe de oito tradutores ajuda o público a entender o que está sendo contado, além de acompanhar os atores pelo palco. Os ajudantes também dão o ritmo do espetáculo ao bater tambores que, sentidos pelos atores, servem de deixa para a próxima cena.

Em três anos de montagem, o espetáculo já foi assistido por mais de 150 mil pessoas, em Israel e no exterior. No mês passado, o grupo fez 12 apresentações em Londres e foi aclamado pela crítica local. "Cegos, surdos e brilhantes", decretou o jornal britânico "Telegraph". Para Adina Tal, diretora da peça e fundadora do Nalaga'at ("Toque, por favor", em hebraico), o segredo do sucesso é o justamente tratar atores e público com respeito, sem apelações.

- Não encaro ninguém de maneira especial. Ao contrário: sou mais severa com os atores surdos e cegos do que jamais fui com outros pupilos. Não sou nenhuma Madre Teresa - conta a diretora, de 57 anos, nascida na Suíça, mas que mora em Israel desde os 20 anos de idade. - Me apaixonei por esses atores porque vi que tinham potencial. Como eles, descobri que não há limite para o espírito humano.

A experiência no palco é descrita pelos atores como libertadora.

- Minha vida mudou depois que comecei a atuar. No palco, me sinto livre. E isso se reflete também fora dele - explica ao GLOBO Bat-Sheva Ravenseri, de 40 anos, mãe de três filhos, que nasceu surda e perdeu a visão na juventude. - O que queremos é que as pessoas conheçam nosso mundo e o respeitem - completa a atriz, tateando as mãos do tradutor, na linguagem imortalizada pela mais famosa surda-cega da História, a americana Helen Keller.

Para outra atriz, Shoshana Segal, de 65 anos, o resultado pessoal do espetáculo é sua inserção social. Através da peça, ela sente que, depois de tantos anos, contribui para a sociedade. Yitzik Hanuna, de 55 anos, vai ainda mais longe. O espetáculo, para ele, deu sentido à sua existência.

- Atuar abriu um mundo novo para mim. Agora, tenho motivo para acordar de manhã. Como diz o nome da peça, não só de pão vive o homem. Todos precisam de uma motivação, de um porquê - diz Yitzik, que nasceu cego e perdeu a audição na infância, depois de contrair meningite.

A ideia de criar o grupo de teatro surgiu há dez anos, depois que Adina foi convidada a ministrar um workshop para surdos-cegos. Dois anos depois, estreava a peça "A luz é ouvida em ziguezague", com direito a apresentações nos Estados Unidos e na Europa. A montagem de "Não só de pão", em 2008, mostrou que o grupo de atores não tinha a intenção de cair no esquecimento.

O sucesso das peças fez com que o projeto se ampliasse para o que é hoje: uma ONG voltada para pessoas surdas, cegas ou surdas-cegas, com oficinas, cursos e espetáculos para adultos e crianças. Dois terços dos 120 funcionários da organização têm alguma deficiência visual ou auditiva.

A atual sede do Nalaga'at fica num armazém renovado no velho porto de Jaffa, subúrbio de Tel Aviv. Além do teatro, o local conta com um café, o Kapish, no qual todos os garçons são surdos, e um restaurante, o BlackOut, servido apenas por garçons cegos (os clientes comem na escuridão total, como se também não pudessem ver). O resultado de tantas atividades é que a ONG quase não precisa de doações para sobreviver.

Tudo isso parece um sonho para Adina Tal, que, há dez anos, nunca tinha visto um surdo-cego na vida. Ela confessa que a vida a surpreendeu.

- Me sinto abençoada. Acho que conheci os atores numa idade em que precisava de desafios. E isso não faltou nos últimos dez anos. Não tive um único dia de chateação - garante.


por Mariherman e retirado de O GLOBO

Um comentário:

Unknown disse...

Irmão, valeu pela visita e o comentário, Deus o abençôe. Fica na Paz!!