20 julho, 2010

Grandes Amizades / Tolkien + Lewis



Amizade semelhante, cimentada não só pelos gostos literários comuns, mas pelos valores cristãos compartilhados e defendidos, é aquela que será vivenciada, com momentos de maior proximidade ou afastamento, durante 40 anos, por J.R.R. Tolkien e C.S.Lewis, tão bem retratada no livro de Colin Duriez O Dom da Amizade (Editora Nova Fronteira – 2006 – Rio de Janeiro, tradução de Ronald Kyrmse), como também na biografia do escritor sul-africano escrita por Paulino Arguijo (Tolkien, Ediciones Palabra – 1992 – Madrid).

Não é por menos que a obra prima de Tolkien O Senhor dos Anéis (publicada atualmente pela Martins Fontes em suas várias edições) só tenha sido concluída graças ao alento de Lewis, para quem Tolkien passava os originais, esperando suas críticas e opinião. Já Lewis se inspirou no mundo fantástico da Terra Média para criar as suas Crônicas de Nárnia (publicadas no Brasil pela Martins Fontes em 1997), com um mundo não menos fantástico, tendo ambas as obras sido recentemente levadas às telas do cinema, com milhões de espectadores se deliciando com as aventuras vividas nessas sagas, restauradoras de grandes ideais na alma de todos.

Cada um acabou figurando na obra do outro plasmado num personagem, que sintetiza bem o modo de ser do amigo: o jeito de ser, falar e pensar de Lewis está representado no Barbárvore da saga dos anéis. E Tolkien é, nitidamente, o Dr. Elwin Ramson das obras de ficção científica escritas por Lewis.

É interessante notar, na relação Tolkien-Lewis, a preocupação do primeiro na conversão do segundo de seu ateísmo. Tolkien havia recebido a fé católica de sua mãe Mabel, valorizando-a como seu maior tesouro, pois viu como custou para sua mãe vivê-la, em face das incompreensões e discriminações que sofreu, percebendo o valor que ela dava à sua fé.

A fé de Tolkien segue na linha direta da tradição da mais expoente figura do catolicismo inglês, que foi o Cardeal John Henry Newman (uma ótima biografia do Cardeal é Newman: 1801-1890, escrita por José Morales Marin, Rialp – 1990 – Madri). Como Tolkien, Newman foi professor em Oxford e, como fellow da Universidade, liderou o que ficou conhecido como o Movimento de Oxford, que pretendia encontrar no anglicanismo a via média entre o catolicismo, que consideravam inflexível e esclerosado, e o protestantismo, que lhes parecia flexível demais com doutrinas e ritos. A tarefa que Newman se propôs era a de demonstrar que o cristianismo original dos primeiros tempos da Igreja só havia sido preservado na Igreja Anglicana. Após 5 anos de estudos meticulosos dos primeiros escritores eclesiásticos – os denominados Padres da Igreja – chegava, no entanto e humildemente, à conclusão de que, não obstante falhas pessoais de clérigos e leigos que se pudessem encontrar na Igreja Católica, inclusive de papas, era ela que havia preservado de forma miraculosa a doutrina original de Cristo em seu Credo.

Newman pediu, então, com toda simplicidade, para ser admitido na Igreja Católica (o que ocorreu em 9 de outubro de 1845) e veio a fundar o Oratório de S. Felipe Néri em Birmingham (em 2 de fevereiro de 1849), no qual Mabel e sua irmã May serão recebidas, tendo o Pe. Francis Xavier Morgan, pároco do Oratório, não só ajudado a família Tolkien, mas educado John Ronald e Hilary Arthur, desenvolvendo neles as convicções morais e religiosas que viverão e defenderão até o final de suas vidas.

Tolkien conseguirá, através de sua amizade literária, trazer Lewis para a fé cristã, ainda que, apesar do esforço, não tenha conseguido fazer que passasse da Igreja da Inglaterra para a Igreja Católica. É certo que, no final da vida de ambos, haverá um esfriamento dessa amizade, motivado possivelmente por uma decepção de Tolkien com o amigo, achando que teria emulado seu mundo imaginário, sem reconhecimento referencial e com distorção conceptiva. Seria justo o aborrecimento de Tolkien?

De qualquer modo, Lewis, uma vez convertido, escreverá alguns livros de fantástica sabedoria, tais como Mero Cristianismo, O Grande Abismo, O Sentido do Sofrimento e, que nos interessa mais por agora, Os Quatro Amores (Martins Fontes – 2005 – São Paulo), no qual fala da amizade.

Os quatro amores, numa escala crescente de importância e densidade, seriam:

a) amor de complacência (ou afeição), quando alguma coisa ou pessoa nos agrada;

b) amor de concupiscência (ou eros), quando alguma coisa ou pessoa nos atrai e a queremos para nós;

c) amor de benevolência (ou caridade), unicamente pessoal, quando queremos não a pessoa para nós, mas o bem e felicidade do outro;

d) amor de amizade, que é a mútua benevolência ou bem-querer correspondido.


Ora, como já víamos acima, só há verdadeira amizade onde há doação. Daí que Lewis fizesse uma segunda distinção no campo do amor:

a) amor-necessidade, que todos temos, de sermos queridos e compreendidos;

b) amor-doação, que é a essência do amor, pela entrega sacrificada à pessoa amada, pois, do contrário, o que há é egoísmo e não amor.


Escreve Lewis que, na relação do homem com Deus, o amor do homem é amor-necessidade e o de Deus amor-doação. No entanto, como o binômio necessidade-doação é conformativo de todo amor humano, a correspondência do homem ao amor de Deus se plasma na doação ao próximo por amor a Deus.

Também lembra o insigne professor de Oxford que a amizade surge quando duas pessoas se admiram e descobrem que têm uma visão das coisas que, em parte, é comum somente a elas. E se essa amizade é verdadeira, o fato de encontrarem um amigo comum, com essa mesma visão, não faz enfraquecer a amizade entre ambos, mas ainda a reforça, pois a amizade não é possessiva, mas tende a estender-se a outros, sempre que possível.

Muito do que Lewis escreveu sobre o amor e o sofrimento nas verdadeiras amizades fica excepcionalmente retratado no filme Terra das Sombras (Shadowlands – 1993), em que o escritor inglês é representado pelo ator Anthony Hopkins e a escritora americana com quem desenvolve uma grande amizade – Joy Greesham – pela atriz Debra Winger.


retirado de Solomon

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