27 março, 2009

Perdoando Deus...



“Enquanto eu inventar Deus, Ele não existe” (Clarice Lispector)

Santo Agostinho já tinha se questionado, certa vez: “Onde estás, meu Deus? Onde estás?”. Agora, quem pergunta é o Papa Bento XVI: “Onde estavas, meu Deus, diante do Holocausto?”. Tanto Santo Agostinho quanto o Papa, com certeza, desconhecem um dos maiores personagens da literatura brasileira, criado pelo fantástico Guimarães Rosa, que é o Riobaldo.

E ele, o Riobaldo, se tivesse oportunidade de se encontrar com o Santo Agostinho ou com Papa diria: “Moço!: Deus é paciência. O contrário, é o diabo”. Aliás, eu lhe digo mais: “Viver é negócio muito perigoso...”.

Riobaldo sabe, mais do que ninguém, que estamos neste mundo para passar por provas e expiações: “O senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam”.

E por que estamos aqui para passar por essas provações? Poderia perguntar o bispo de Hipona ou o Papa Bento XVI a Riobaldo, e este responderia, assim: “Sei que tenho culpas em aberto. Mas quando foi que minha culpa começou?... a vida não é entendível”. E continuaria o jagunço do Grande Sertão: Veredas: “Neste mundo tem maus e bons – todo grau de pessoas... O senhor não duvide – tem gente, neste aborrecido mundo, que matam só para ver alguém fazer careta... Mas, com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra”.

Então, até Riobaldo sabe que a vida não é burra... pois, “Deus existe mesmo quando não há”. E eu não posso concordar com Fernando Pessoa - apesar de admirá-lo como o maior poeta da língua portuguesa-, quando ele diz: “não acredito em Deus porque nunca o vi. Se ele quisesse que eu acreditasse nele, sem dúvida que viria falar comigo/ E entraria pela minha porta dentro/ Dizendo-me, Aqui estou!”.

Não Fernando Pessoa! Deus entra sim, pela porta dentro, todos os dias, pois Ele é flores, rosas e árvores. E as rosas não falam, não é mesmo? (Apenas exalam o perfume que roubam de ti). Deus é montes, sol e luar... por isso eu acredito Nele a toda hora.

Deus, portanto, não tem culpa se não o escutamos. Ele, através da sua infinita bondade, deu-nos o livre arbítrio de escolher entre o bem e o mal. E não me venham dizer que estamos condenados à eterna liberdade, como afirmou Sartre, pois precisamos estar livres para fazer brotar o amor – o verdadeiro sentido da vida. Amor, que muitos fazem dele um cálculo matemático errado, como adverte Lispector: “Somando não as compreensões e sim, as incompreensões é que se ama verdadeiramente”. E é por isso, que o Riobaldo ensina: “Só se pode viver perto do outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura”.

Se existe o mal, é para que exista, acima de tudo, o bem: o amor. Onde estava Deus, portanto, em Auschwitz? Esperando a bondade da sua criação, afinal Ele é paciência, não é mesmo? Ele poderia, em milésimos de segundos, transformar todos em santos, mas que mérito isso teria? “A colheita é comum”, lembra de novo Riobaldo, “Mas o capinar é sozinho...”.

Pois bem! Termino, como não poderia deixar de ser, pela oração do magnífico Fernando Pessoa (e é por isso que eu não canso de lê-lo): “Quem está ao sol e fecha os olhos,/ Começa a não saber o que é o sol... e a luz do sol vale mais do que os pensamentos... pois a luz do sol não erra e é comum e boa”.


retirado de PavaBlog

Nenhum comentário: